terça-feira, setembro 14, 2010

Fearless

"Acendeu o pavio da vela com um fósforo e observou-o crepitar e encorpar. Em seguida, pegou a chave negra. Estava fria em sua mão. Colocou-a no buraco da fechadura da porta sem girá-la.
- Quando era pequena - Coraline disse para o gato -, quando vivíamos em nossa velha casa, há muito, muito tempo, papai me levou para passear no terreno baldio que ficava entre a nossa casa e as lojas. Não era o lugar ideal para passear. Lá ficavam todas aquelas coisas que as pessoas tinham jogado fora - fogões velhos, pratos quebrados, bonecas sem braço e sem perna, latas vazias e garrafas espatifadas. Papai e mamãe me fizeram jurar que não iria explorar lá atrás, porque havia muitos objetos pontudos, tétano e coisas do gênero. Mas continuei dizendo que queria explorar o lugar. Então, um dia papai calçou suas botas grandes marrons e suas luvas, pôs minhas botas, meu jeans e suéter, e fomos dar uma volta.
Acho que andamos por cerca de vinte minutos. Descemos a colina até o fundo de um barranco onde passava um rio quando, de repente, meu pai falou: Coraline - fuja! Suba a colina. Já! Falou de um jeito firme, com urgência, então obedeci. Subi a colina correndo. Algo me atingiu atrás do braço enquanto eu fugia, mas continuei correndo.
Quando cheguei ao topo, ouvi alguém disparar colina acima atrás de mim como um raio. Era meu pai, atacando como um rinoceronte. Quando me alcançou, levantou-me em seus braços e ergueu-me por sobre o cume da colina. Então paramos ofegantes e palpitantes, e olhamos de volta para o barranco lá embaixo. O ar estava animado com vespas amarelas. No caminho, devíamos ter pisado em um vespeiro dentro de algum tronco podre. E enquanto eu corria colina acima, meu pai ficou e foi mordido, para me dar tempo de fugir. Seus óculos haviam caído durante a corrida. Eu tinha uma única picada, atrás do braço. Ele tinha trinta e nove, espalhadas pelo corpo. Contamos depois, no banho.   
O gato preto começou a lavar o rosto e os bigodes de um modo que indicava crescente impaciência. Coraline abaixou-se e deu-lhe uma batidinha atrás da cabeça e do pescoço. O gato levantou-se, deu alguns passos até sair do seu alcance, depois sentou-se e olhou-a novamente.
- Então - disse Coraline - , mais para o fim da tarde, meu pai voltou ao terreno baldio, para recuperar seus óculos. Disse que se deixasse passar um dia, não conseguiria se lembrar onde eles haviam caído. E logo ele voltou para casa, usando seus óculos. Disse que não teve medo quando ficou lá em pé, sendo picado e ferido pelas vespas, vendo-me fugir. Sabia que tinha que me dar tempo suficiente para correr, ou as vespas perseguiriam a nós dois. 
Coraline girou a chave na porta. A chave girou com um clunk sonoro. A porta abriu-se completamente. Não havia parede de tijolos do outro lado: apenas escuridão. Um vento frio soprava pela passagem. Coraline não tomou a iniciativa de atravessar a porta. 
- E ele disse que não tinha sido corajoso ao simplesmente ficar lá e ser mordido - disse Coraline ao gato. - Não tinha sido corajoso porque ele não tivera medo: era a única coisa que ele podia fazer. Mas, voltar para pegar os óculos, sabendo que as vespas estavam lá e, desta vez sentindo medo, aquilo era coragem.
Coraline deu o primeiro passo para dentro do corredor. Podia sentir o cheiro de poeira, umidade e mofo. O gato caminhava a seu lado. 
- E por quê? - Perguntou o gato, embora parecesse muito pouco interessado.
 - Porque - disse ela - quando você tem medo e faz mesmo assim, isso é coragem."
Coraline, de Neil Gaiman.

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"Se os escritores escrevessem tão descuidadamente como dizem algumas pessoas, então adhasdh asdglaseuyt[bn[ pasdlgkasdfasdf" Lemony Snicket